Ainda não traduzida para o português, a expressão inglesa “bullying” é utilizada para representar uma série comportamentos agressivos e violentos, físicos e morais, praticados de forma repetitiva sobre um aluno alvo, no âmbito escolar. Sem dúvida alguma, o fenômeno da violência crescente nas escolas não pode ser ignorado, nem tampouco negligenciado, mas ao invés de traçar perfis ou categorizar as manifestações do referido comportamento, é fundamental tentar, de forma minuciosa, compreender os papéis sociais envolvidos nessa relação e até que ponto esses jovens, adolescentes ou crianças, estão aderidos a eles.
Hoje em dia, muitos profissionais estão dedicados a entender melhor o bullying, mas há controvérsias quanto as interpretações. Neste momento é preciso ter muito cuidado para não generalizar um problema que deve ser lidado caso a caso. A psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, autora do best-seller “Mentes Perigosas” sobre o universo dos psicopatas, por exemplo, lançou recentemente um novo sucesso: “Bullying: Mentes Perigosas nas Escolas”. Além de diversos depoimentos de famosos e bem-sucedidos que foram alvo de violência escolar na infância, o livro pretende ajudar a identificar e combater a violência nas escolas, o fenômeno do bullying. Para isso, a autora considera importante traçar os tipos de perfil dos agressores, além de atribuir aos pais e educadores o dever de solucionar o problema e referir-se ao fenômeno como “um problema que se tornou endêmico nas escolas de todo o mundo”. Ainda segundo a autora, apesar da violência nas escolas advir desde os primórdios das instituições de ensino, o bullying só passou a ser objeto de estudo no início dos anos 70. No entanto, é somente a partir dos recentes episódios que chocaram o mundo, como o ocorrido em 1999 (numa High School do Colorado, nos Estados Unidos, dois jovens assassinaram 13 pessoas, feriram mais de 20 e depois se suicidaram), que a expressão passou a ter cada vez mais destaque, uma vez que as investigações revelaram que a maior parte das vitimas eram colegas de escola e que a possível motivação seria vingança por exclusão escolar. Entretanto, não se pode afirmar a posteriori, com segurança, que esse ocorrido trágico tenha sido mesmo um episódio de bullying. Ao lidarmos com o sujeito, qualquer julgamento que implique numa conclusão baseada somente em dados factuais e sem um real acolhimento de suas histórias, seria uma análise superficial e precipitada.
Para explicar o nível de complexidade do assunto em questão é preciso entender um pouco da dinâmica da construção de relações interpessoais. A posição que cada sujeito constrói e ocupa ao longo da sua vida tem alguma influência em como essas relações se estabelecem. Desde o nascimento, e em todo o decorrer do seu desenvolvimento, a criança vai, entre idas e vindas, fazendo um ensaio sobre seu estar no mundo, na busca por seu lugar social. Inicialmente com a família nuclear, que aos poucos vai se ampliando, até a entrada na escola que é seu primeiro grande grupo social, o jovem vai de despedindo da infância, distanciando e diferenciando-se de seus pais pouco a pouco. Os jovens seguem identificando-se com seus pares, sentindo cada vez mais a necessidade de pertencer ou formar algum grupo. É a partir da configuração do grupo e da identificação com os pares que o jovem vai sentindo-se acolhido e protegido, tornado-se apto para suas escolhas. Diferentemente da família, em um grupo, além de existir certa sensação de onipotência, a responsabilidade fica diluída entre seus membros, possibilitando o jovem acreditar-se forte para seu amadurecimento.
Sob outro aspecto, o que permite ao grupo continuar existindo são seus limites. Para que efetivamente essa fronteira virtual exista é imprescindível que a possibilidade de se estar dentro e fora se faça, num movimento de pertencer e não pertencer. Nesse jogo de cena, cada um representa seu papel, dos líderes e populares aos isolados e excluídos. Enquanto uns depositam o que o grupo deseja ser, outros são tomados como depósito de tudo aquilo que o grupo rejeita e repele, identificados como algo que deveria estar fora, auxiliando no traçado das fronteiras.
É nessa relação que surgem também os impasses, que podem ser porque o sujeito está com dificuldades para encontrar seu lugar no grupo, para identificar-se com um papel que lhe foi atribuído pelos colegas, para sustentar uma posição diante dos demais ou uma série de outras questões que podem ter efeitos futuros se o mesmo não conseguir lidar com elas de uma forma criativa. O fato de o jovem colar-se ao seu papel no grupo, incorporando seu personagem de maneira rígida, pode ter sérias conseqüências, principalmente se eventualmente deparar-se com outro sujeito que, por sua vez, também está encarnado no seu papel por completo. No caso do bullying, agressor e agredido assumem esses papéis de maneira total. Muitas vezes na posição de líder, o agressor ainda leva consigo alguns seguidores, enquanto o isolado e excluído, torna-se um bode expiatório daquele grupo, como um depositário do que se identifica como diferente ou negativo e que deve ser combatido por todos os outros, sob pena ilusória da não existência daquele grupo.
Quando estamos diante de uma dinâmica de agressões repetitivas em um grupo, tanto agressor como agredido merecem atenção. É muito importante que seja feito um acolhimento desses sujeitos que estão em sofrimento, sendo necessária muitas vezes a ajuda de um profissional, que junto à família e à escola, possa auxiliá-los, individualmente e em suas singularidades, a romper com esses padrões, descolando-se e flexibilizando suas posições, para que possam, assim, encontrar novas e criativas formas de estar no social.