A escola é, depois da família – e às vezes até antes – a principal referência da maioria das crianças e adolescentes. É lá que passam grande parte de seus dias, é lá que vivenciam o encontro com a diferença e com os desafios do viver coletivamente. Não é de se surpreender que a escola seja, muitas vezes, o destinatário das mensagens desses sujeitos em desenvolvimento. Às vezes são mensagens de teste, para experimentar como eles podem existir no mundo, como são vistos e julgados pelos outros. Às vezes são mensagens de afeto, quando elegem figuras do ambiente escolar para vivenciar o amor, a raiva, a rivalidade e outros sentimentos. E às vezes essas mensagens podem ser pedidos de ajuda.
Falar de saúde mental nas escolas pode ter duas vertentes. Primeiro, a promoção da saúde mental, isto é, como permitir que a escola seja um ambiente de tolerância da diferença de cada um, a ponto de que estar no grupo não signifique sacrificar sua própria singularidade, pois a não aceitação de quem somos pode levar a efeitos desastrosos. Em segundo lugar, a vertente do acolhimento do sofrimento mental quando este aparece na escola. É desse segundo aspecto que vamos falar neste texto.
Nosso objetivo não é fazer um manual de detecção do sofrimento psíquico, até porque cada um deixa aparecer seu padecimento de uma forma muito própria e imprevisível. E também não seria útil que a escola se tornasse um agente fiscalizador de transtornos. Além disso, o que nossa experiência nos momentos de troca com as escolas nos ensinou foi que, justamente, os sintomas das crianças e adolescentes que representam um pedido de ajuda sempre chamam a atenção o suficiente para serem detectados. Sejam eles mais gritantes e perturbadores ou mais silenciosos, normalmente chegam a algum destinatário escolhido, mesmo que o próprio jovem não se dê conta dessa escolha.
Esse é o primeiro ponto para o qual gostaríamos de chamar atenção: o papel da escola frente ao sofrimento mental é o de destinatário. Já dissemos que não é o de detector. Também não é o de juiz: temos que afastar a escola da armadilha de cair na rivalidade com a família, seja buscando a causa na história pessoal do sujeito ou culpabilizando os pais por uma suposta negligência. Se os sintomas de sofrimento psíquico chegam a chamar a atenção da escola, é porque não foi possível para a criança, por diversas razões, levá-los aos seus adultos responsáveis. Mas a culpabilização tem apenas o efeito de tapar os ouvidos daqueles concernidos, e seria muito mais efetivo se a escola pudesse ser um propiciador de um espaço para que a família possa escutar o que o jovem está tentando dizer de maneira indireta.
Poder se responsabilizar pelo papel de destinatário, quando lhe é dado, requer um acolhimento que não seja anônimo, nem apoiado apenas em práticas institucionais. Comumente notamos que um aluno cujo problema chega à escola começa por chamar a atenção de algum profissional específico, seja pela ligação prévia que este tenha com o aluno, seja pela maneira como esse determinado problema sensibiliza o adulto que o percebe. Esse deve ser um ponto de partida para a criação de um possível laço que permita que o jovem se sinta acolhido. Isto é, de oferecer um lugar para esse jovem, a partir do qual ele poderá buscar ajuda. Mesmo no caso da necessidade de um encaminhamento para um profissional externo à escola, faz muita diferença, tanto para a criança quanto para os pais, quando isso não é feito a partir de um protocolo institucional e sim a partir de um vínculo de acolhimento. Trata-se do oferecimento de uma escuta implicada. Isso não significa que deva ser, necessariamente feita por um profissional “capacitado” para tal escuta. Muitas vezes o vínculo pode sim se dar com um psicólogo ou orientador na escola. Porém, é preciso olhar mais amplamente para reconhecer os vínculos que, por vezes, já existem, mesmo que sejam com os profissionais mais inusitados. Em um caso que trabalhamos, por exemplo, só houve possibilidade de acolhimento de uma adolescente tomada de uma tristeza mortífera a partir de sua relação de admiração profissional com o professor de química. Este não tinha nenhum conhecimento prévio sobre saúde mental, mas ofereceu sua disponibilidade para acolher os afetos que essa jovem lhe transferia e, a partir daí, foi possível que ela quisesse buscar tratamento psicanalítico.
É claro que isso nem sempre se dá naturalmente nem tranquilamente. Os sintomas de sofrimento psíquico, especialmente em crianças e adolescentes, costumam gerar muita angústia nos adultos que os presenciam. Por isso, é interessante que esses adultos que se veem implicados nessas situações possam ser acolhidos pela equipe da escola. Às vezes o papel de um psicólogo escolar pode ser direto com o jovem, mas às vezes pode ser também nos bastidores, dando apoio a outro profissional que encontra mais possibilidade de oferecer esse lugar de acolhimento.
Apesar de frisarmos que as ações na escola frente aos problemas de saúde mental devem levar em conta a singularidade de cada um, é claro que a escola é sim uma instituição que trabalha com o coletivo. Por isso, devemos pensar também em quais são os recursos que esta pode oferecer coletivamente. Recursos estes que, em alguns casos, podem até ser resolutivos no ambiente escolar, evitando assim um encaminhamento externo. As formas utilizadas podem ser as mais variadas. O que pode ser um bom orientador é que a abordagem utilizada possa ser um oferecimento de um espaço para que o jovem possa depositar sua angústia, e não um espaço de exposição pedagógica daquilo que ele já sabe melhor do que ninguém. Por exemplo: oferecer uma palestra sobre depressão ou suicídio, onde o palestrante traria uma série de informações prontas, estatísticas etc pode ter o efeito de esmagar a vivência subjetiva que algum aluno possa ter de sua tristeza, homogeneizando todos os que escutam e tendo o efeito indesejado de calá-los. Por outro lado, oferecer uma atividade coletiva como conversações, produções textuais, interpretações teatrais etc pode gerar um ambiente propicio para a construção de um saber sobre o tema, dentro do qual cada um poderá se reconhecer e elaborar algo do que lhe passa. A escola que visa não apenas o desempenho acadêmico, mas também a saúde mental de seus alunos, pode incluir tais atividades de expressão uma vez que o sofrimento de algum ou alguns alunos lhe chama a atenção.
Por fim, falaremos um pouco sobre o encaminhamento para profissionais externos. Em primeiro lugar, encontra-se o desafio de como transmitir para os pais algo que, muitas vezes, não foi possível para eles notarem no contexto familiar. Já falamos sobre a importância de escapar da culpabilização e da rivalidade. Os sintomas psíquicos muitas vezes não podem ser explicados por causas localizáveis a “olho nu”, sejam elas orgânicas ou históricas. E mesmo se pudessem, a localização dessas causas não ajudaria muito o a abordagem da escola frente a tal aluno. A construção das causas de tais sintomas é algo feito subjetivamente e no um-a-um, só assim servirá para apontar para uma saída, e não apenas para classificar o sujeito em um diagnóstico. Por isso, em vez de buscar explicações ou sinais de negligência, é mais interessante tentar responsabilizar os pais ou adultos cuidadores através de uma parceria, mesmo quando – também por não saber como lidar e se sentirem culpados – são os próprios pais que tentam culpabilizar a escola. Buscar a culpa só pode levar a esse jogo de rivalidade em que quem sai perdendo é sempre o jovem em questão. Entender que tais acusações muitas vezes respondem à angústia de não saber como lidar com a situação pode ajudar a responder de outro lugar, mantendo a atenção sempre no sujeito que está precisando de ajuda.
A partir da parceria com os responsáveis, o encaminhamento deve ser feito sempre na direção de um tratamento, isto é, da busca por soluções que possam aliviar o sofrimento de todos. Quando o encaminhamento é reduzido a uma avaliação ou busca por diagnóstico, a tendência é que os responsáveis o tomem mais como uma maneira da escola se proteger do que proteger seu aluno com dificuldades. É claro que o tratamento, seja ele qual for, precisará partir de alguma avaliação. Mas faz diferença quando a indicação visa a uma busca por saídas e não uma classificação. Com isso, há mais chances de criar uma rede ao redor desse jovem em sofrimento. Essa rede formada pela escola, pais, profissionais de saúde é a maneira mais eficaz de evitar que esse jovem fique sem lugar no mundo, sem destinatário para seu pedido de ajuda.