Ao falarmos da constituição de um sujeito, poderíamos afirmar que, todos nós nascemos num total desamparo, à mercê dos cuidados de outra pessoa, sem a qual não se sustentaria a vida. É a partir desse outro, dos cuidados daquele que exerceria para o bebê uma função de introdução no mundo da linguagem, que ele teria seus choros e gestos, nomeados. Essa nomeação ajuda a transformá-los em demandas, ao dar-lhes um sentido, já que tais manifestações vão muito além de necessidades fisiológicas.
Podemos dizer que a inscrição na linguagem e no universo simbólico já se inicia mesmo antes do nascimento. Neste momento, o sujeito que virá só se faz presente no discurso daqueles que dele falam. A partir daí a constituição do sujeito humano se faria possível, mas este é só o começo.
O pequeno sujeito ainda teria pela frente o trabalho de separar-se das falas desses outros para advir como sujeito do desejo, ou seja, poder apontar, pouco a pouco, suas próprias escolhas. Isso só seria possível quando aparecem nessas falas, aberturas para falhas e ausências de sentido. Abre-se, assim, a possibilidade de um espaço necessário entre o que o sujeito realmente desejaria e o que se espera dele.
Sendo assim, como poderíamos descrever um autista no campo da psicanálise?
O que haveria de diferente neste percurso?
Parece- nos que, ao nos referir-mos às crianças autistas, não ficam tão claros esses espaços entre o sujeito e Outro, há um excesso de significação. Neste caso, o excesso, em detrimento da falta e da flexibilidade no dar sentido, sufocaria as possibilidades de um vir-a-ser, deixando, em seu lugar, uma fixidez. Isso faz com que, para os autistas, seja tão difícil o ato de apropriar-se da linguagem, que permanece como algo do outro, que de maneira geral, é tomado pela criança como invasivo. Quando é interpelada, a criança é convocada a uma enunciação e, por sua restrição em apropriar-se da linguagem, essa ação torna-se difícil.
Da mesma maneira, é raro ver-se situações em que a própria criança autista faça essa demanda ao outro. Dessa forma, é muito comum a referência a uma dificuldade na interação social e na comunicação geral, tanto verbal como não verbal. No que diz respeito à fala, que muitas vezes sequer se faz presente, pode-se notar um uso repetitivo ou mesmo estereotipado e inadequado, que se estenderia para o gestual, expressão facial e para uma dificuldade em estabelecer o contato visual, por exemplo.
Diante disso, uma direção de tratamento possível seria considerar que esses sintomas são formas de defesas, e assim, poder trabalhar no sentido de que os autistas possam prescindir desse recurso tão rígido, pouco a pouco, para, quem sabe, estabelecerem uma relação possível com o outro, gerando menos sofrimento.